Nos últimos dois anos, o impacto das chamadas “plataformas” vem sendo amplamente discutido por vários ângulos. As plataformas foram acusadas de manter os trabalhadores à margem, causando um impacto negativo nas cidades e nações, estressando as regulações existentes e comportando-se como intermediários que deslocam outros mais tradicionais.
As plataformas foram definidas de outra forma.
Sangeet Choudary define plataformas como “modelos de negócio que permitem a interação de múltiplos atores (produtores e consumidores) […]criando uma infraestrutura que os conecta”.
Já John Hagel indica que as plataformas são feitas de “uma estrutura de governança que determina quem pode participar, que papéis podem desempenhar, como podem interagir e como se resolvem as disputas” e de “um conjunto adicional de protocolos ou padrões […]para facilitar a conexão, coordenação e colaboração”.
Um estudo global recente intitulado “The Rise of the Platform Enterprise” define as plataformas de negócios como um “meio que permite que outros se conectem a ele”. Entender como definir uma plataforma é fundamental, mas, por outro lado, não é suficiente para compreender inteiramente o estado atual da economia digital pós-industrial.
Particularmente, apesar de ser crucial conhecer os atributos e dinâmicas de funcionamento interno das plataformas – e trataremos disso depois –, é também essencial entender como as plataformas se encaixam no mercado global digitalmente transformado e dentro do marco social.
- Quais são os tipos de atores que participam?
- Quais são os motores do mercado?
- Que forças evolucionárias operam no contexto?
- Como as plataformas vão evoluir?
- O que vem depois das plataformas como as conhecemos hoje?
Todas estas são as principais perguntas propostas pelo Design de Plataforma (Platform Design).
O QUE ESTÁ PROVOCANDO O AUMENTO DE MODELOS DE PLATAFORMA?
Para além das tentativas de definição das plataformas, o que realmente estamos vendo – embora às vezes falhemos em compreender a imagem global completa – é a combinação de tendências diferentes e convergentes.
A maioria destas tendências podem estar relacionadas a duas mudanças maiores que se reforçam mutuamente e que, como explica McLuhan na extensa obra que compõe o seu trabalho, não podem ser isolados adequadamente (já que se dão forma repetidamente).
A primeira mudança está ligada ao que esperamos como clientes e usuários das plataformas; a segunda está no potencial cada vez maior das tecnologias que usamos para construir essas plataformas.
A primeira mudança nas expectativas do cliente se relaciona a nós mesmos e trata-se de uma mudança de narrativa. Como cidadãos e usuários, agora temos expectativas crescentes em relação às marcas de que ofereçam uma experiência agradável e superior. “Todos nós fomos seduzidos por grandes descontos, entrega mensal automática de fraldas, filmes premium gratuitos, embalagens para presente, entregas grátis em dois dias, e capacidade de comprar sapatos, livros, feijão ou uma pia, tudo de um mesmo lugar. Mas, na verdade, já ultrapassamos a sedução. Agora esperamos este tipo de comodidades como se fossem direitos natos. São já intrínsecas de nossa forma de entender como os consumidores deveriam ser tratados”.
Franklin Foer afirma que “A experiência do cliente é uma dimensão essencial de como as empresas concorrem no mercado”.
A ideia que criamos sobre serviços modernos gira em torno de quatro características principais.
- Queremos serviços que sejam rápidos e que possam ser controlados facilmente, como uma viagem de Uber;
- Queremos que sejam personalizáveis, como o último modelo de tênis Nike, do qual podemos configurar até a cor da logo;
- Queremos que sejam relevantes como as sugestões da Amazon, e
- Queremos que sejam humanas como os bots de chat com os que você pode se identificar por linguagem natural, ou ainda melhor, como o hóspede de Airbnb com o qual você pode se comunicar por WhatsApp, sentindo-se como se você fosse mesmo ormir na casa de um amigo.
A segunda mudança deste caminho evolutivo é, como já foi dito, que tudo é impulsionado pela tecnologia, que é um efeito da força mais poderosa que norteou a evolução do mercado desde o início: competição incessante.
Em um efeito de reforço mútuo, a concorrência conduz a tecnologia para a componentização. Os líderes de mercado em busca de eficiência de custos normalmente demandam a padronização de suprimentos (componentes) para que mais concorrência seja gerada entre os fornecedores. Isso, por sua vez, permite que mais concorrentes ingressem no mercado e eles próprios compitam com os líderes.
Essa tendência acaba reduzindo a margem de lucro e levando os líderes que estão no topo da cadeia de valor a buscar mais valor e lucros (dentro de um ciclo de Inovar – Impulsionar – Componentizar).
Esse fenômeno converteu, ao longo do tempo, os três principais componentes tecnológicos da economia digital em commodities universais: largura de banda, capacidade de processamento e armazenamento, agora também disponíveis “como um serviço“. Paralelamente, a penetração sem precedentes de dispositivos conectados, de telefones e tablets a dispositivos de IoT (Internet das Coisas), levou todas as atividades humanas a um novo estado contextual de “conectado”.
A evolução desse grupo de ativadores de tecnologia produziu dois grandes impactos:
- O primeiro é que a maioria das novas ferramentas digitais de produção está mais uma vez nas mãos dos usuários – e lhes pertencem – (à margem dos fabricantes industriais); e
- O segundo é que os custos de transação da economia digital foram reduzidos a quase zero, em um mundo onde – segundo os sonhos de Mark Zuckerberg – “estamos todos conectados com todos os outros“
O NOVO POSSÍVEL E O NOVO DESEJÁVEL ESTÃO ENTRELAÇADOS
As duas importantes mudanças mencionadas acima mantêm uma relação de reforço mútuo: o novo possível (possível graças aos avanços tecnológicos) e o novo desejável (do ponto de vista do usuário) estão produzindo o que, em termos de McLuhan, constitui um “novo ambiente”.
As plataformas são os meios – como os humanos – que usamos para criar esse novo ambiente. Mas entender o que acontece nesse novo ambiente e como ele está crescendo em torno dessas novas ferramentas representa um desafio sem precedentes.
Semelhante à maneira como construímos as estradas e a infraestrutura que moldaram nosso mundo moderno – quando a adoção em massa dos automóveis criou o ambiente das cidades no século XIX – esse novo ambiente criado por empresas que se expandem através de plataformas não é totalmente conhecido nem está maduro ou regulamentado.
É um novo espaço que gera circunstâncias totalmente novas de trabalho e produção de valor, por exemplo, ao envolver aqueles que antes eram considerados como clientes consumidores no processo de produção de valor, como “pares/peers“– em sistemas P2P (peer-to-peer), fluxos de trabalho e modelos de negócios.
De acordo com essas novas possibilidades, a natureza da própria empresa está mudando e – como o guru do marketing Geoffrey Moore indicou em seu artigo “The Nature of the Firm—75 Years Later” – essas mudanças são “profundamente disruptivas para as estruturas hierárquicas de controle” e estão alterando o funcionamento interno das empresas.
A estrutura hierárquica de gestão taylorista que a maioria das grandes organizações continua a usar hoje em dia pode ser facilmente superada pelos desafios impostos pelo complexo mercado digital.
Hoje, as empresas industriais enfrentam dificuldades para produzir experiências agradáveis e únicas para o usuário: criar valor em um mercado digital ativo tem, de fato, menos a ver com a produção controlada industrialmente e cada vez mais tem a ver com encapsular e adicionar componentes fornecidos por terceiros a experiências excelentemente projetadas, narradas sob uma marca que as armazena e controla verticalmente.
A estrutura burocrática da maioria das empresas tradicionais pode não estar pronta para funcionar dessa maneira.
A disrupção vem da transformação das Cadeias de Valor em Redes de Valor multidimensionais. No passado, as empresas costumavam competir tornando-se os únicos proprietários dos diferentes ativadores, módulos e componentes de um processo ou modelo de negócio específico (e obtinham vantagens competitivas benéficas graças a esses bens), enquanto hoje, se não podem competir com aqueles que se destacam ao integrar perfeitamente vários componentes a uma excelente experiência do consumidor (sendo possuidores da quantidade mínima possível de partes no processo), devem se destacar fornecendo interfaces e infraestrutura para permitir que outros o façam.
Empresas de sucesso são aquelas capazes de realizar as duas atividades em paralelo: fornecer ao ecossistema componentes desagregados, por um lado, e serviços agregados voltados para o consumidor, por outro. Essas organizações do tipo infraestrutura-plataforma atendem a seus ecossistemas e monitoram como as entidades do ecossistema organizam componentes para fornecer serviços e agradar aos clientes finais. Ao estarem atentas a esses padrões, essas organizações entendem como reembalar e consolidar novos pacotes em serviços de nível superior (da maneira mais eficaz) e subir na cadeia de valor, empurrando seu próprio ecossistema para inovar em camadas ainda mais altas.
Este é o primeiro conteúdo da série “Plataformas: novo modelo de negócio disruptivo”.
Este conteúdo foi originalmente criado por Platform Design Toolkit.
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