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Contexto VUCA: como tomar decisões com IA?
By Jorge Aldrovandi access_time 14 min read

Muitas empresas se adaptaram a um processo “orientado por dados” para a tomada de decisões operacionais. Os dados podem melhorar as decisões, mas é necessário ter o processador correto para extrair o máximo deles. Muitos pressupõem que este processador seja humano – a expressão “orientado por dados” implica até que a tutoria e o resumo dos dados são feitos por pessoas, para que as pessoas os processem.

Mas, para extrair o máximo proveito do valor contido nos dados, as empresas precisam incluir a inteligência artificial (IA) em seus fluxos de trabalho e, de vez em quando, afastar-se do nosso caminho, dos humanos. Precisamos evoluir de fluxos de trabalho orientados por dados a fluxos de trabalho orientados por IA.

A diferença entre “orientado por dados” e “orientado por IA” não é só semântica.

Cada uma dessas expressões reflete ativos diferentes, a primeira centra-se nos dados, e a segunda, na capacidade de processamento. Os dados guardam os achados que podem permitir melhores decisões; o processamento é a maneira de extrair esses achados e executar ações. Tanto os humanos como a IA são processadores – com capacidades muito diferentes. Para entender a melhor maneira de aproveitar cada um, vale examinar nossa própria evolução biológica e a forma como a tomada de decisões foi evoluindo no mercado.

Cerca de 50 a 75 anos atrás, o julgamento humano era o processador central da tomada de decisões de negócios. Os profissionais se baseavam em sua intuição extremamente afinada e desenvolvida ao longo da experiência (e uma quantidade relativamente minúscula de dados) em sua área, para, por exemplo, escolher o diretor de criação correto para uma campanha publicitária, definir o nível correto de estoque a manter ou aprovar investimentos financeiros corretos. A experiência e o instinto eram a maior parte do que estava disponível para discernir entre o bom e o mau, alto ou baixo, arriscado ou seguro.

Talvez tudo fosse demasiado humano.

Nossa intuição está longe de ser um instrumento ideal de tomada de decisões. Nosso cérebro está sujeito a muitos vieses cognitivos que prejudicam nosso julgamento de maneiras previsíveis. Isso é o resultado de centenas de milhares de anos de evolução nos quais, como caçadores-coletores primitivos, desenvolvemos um sistema de raciocínio baseado em heurísticas simples – atalhos ou regras empíricas que evitam o alto custo de processar uma grande quantidade de informação. Isso permitiu que decisões rápidas e quase inconscientes nos livrassem de situações potencialmente perigosas. No entanto, “rápidas e quase inconscientes” nem sempre significava ideais, ou mesmo corretas.

Imagine um grupo de nossos ancestrais caçadores-coletores aglomerados em torno de uma fogueira, quando, de repente, ouvem um ruído de folhagem, na direção de um arbusto próximo. É preciso tomar uma decisão do tipo “rápida e quase inconsciente”: deduzir que o ruído é causado por um predador perigoso e fugir, ou investigar e obter mais informação para verificar se é uma presa potencial – por exemplo, um coelho, que pode proporcionar valiosos nutrientes. Nossos ancestrais mais impulsivos – os que decidiam fugir – tinham uma taxa de sobrevivência mais alta que a de seus companheiros mais curiosos. O custo de fugir e perder um coelho é muito menor que o de ficar e correr o risco de morrer na boca de um predador. Com tal assimetria de resultados, a evolução favorece a característica que tem consequências menos custosas, mesmo que a correta seja sacrificada. Portanto, a característica que leva a tomadas de decisão mais impulsivas e a menos processamento das informações se torna mais frequente na população descendente.

No contexto moderno, a heurística da sobrevivência foi transformada em um número infinito de vieses cognitivos, pré-carregados em nosso cérebro herdado. Estes vises influenciam nosso julgamento e nossa tomada de decisões de formas que diferem da objetividade racional. Atribuímos mais peso do que deveríamos a eventos vividos ou recentes. Classificamos sujeitos, grosso modo, em estereótipos amplos que não explicam suficientemente suas diferenças. Nos apegamos à experiência anterior, mesmo quando ela é completamente irrelevante. Tendemos a invocar explicações ilusórias para eventos que, na verdade, são apenas ruídos aleatórios. Essas são apenas algumas dezenas de maneiras pelas quais os vieses cognitivos prejudicam o julgamento humano e, por décadas, foram o processador central da tomada de decisões de negócios. Agora sabemos que contar apenas com a intuição humana é algo ineficiente, caprichoso, falível e limitador da capacidade de uma organização.

Tomada de decisões baseada em dados

Mesmo assim, é bom que os dados existam.

Hoje, dispositivos conectados capturam volumes inimagináveis de dados: cada transação, cada gesto do cliente, cada indicador micro e macroeconômico, todas as informações que podem levar a melhores decisões. Em resposta a esse novo ambiente rico em dados, adaptamos nossos fluxos de trabalho. As áreas de TI dão suporte ao fluxo de informações usando máquinas (banco de dados, sistemas de arquivos distribuídos etc.), para reduzir esses volumes de dados impossíveis de gerenciar a resumos que podem ser tratados por seres humanos. Em seguida, os humanos reprocessam esses resumos, usando ferramentas como planilhas, painéis de controle e aplicativos de inteligência analítica. No final, os dados, altamente processados e, neste momento, reduzidos a um volume administrável, são apresentados para a tomada de decisão. Este é o fluxo de trabalho “orientado por dados”. O julgamento humano continua sendo o processador central, mas agora usa dados resumidos como um novo input.

Embora indiscutivelmente seja melhor ter um ser humano como processador central que depender unicamente da intuição, ainda cria várias limitações.

1. Não aproveitamos todos os dados.

Os dados resumidos podem ocultar muitos dos achados, relações e padrões contidos no “data set” (conjunto de dados) original (de grande volume). A redução dos dados é necessária para ajustar a capacidade de produção dos processadores humanos, porque, por mais hábeis que sejamos para administrar nosso ambiente, processando facilmente grandes quantidades de informações ambientais, estamos notavelmente limitados quando se trata de processar dados estruturados que se manifestam na forma de milhões ou bilhões de registros. 

A mente é capaz de lidar com números referentes a vendas e com preços médios de venda elevados, para o nível regional, mas enfrenta dificuldades ou simplesmente um “freio” quando começa a pensar na distribuição completa dos valores e, criticamente, nas relações entre os elementos de dados-informações, que se perdem para a boa tomada de decisões. (Não se pretende sugerir que os resumos de dados não são úteis. É claro que eles são ótimos para proporcionar uma visibilidade básica do negócio, mas agregam pouco valor ao serem usados para a tomada de decisões, pois se perde grande parte na preparação para o processamento humano). Em outros casos, dados resumidos podem ser simplesmente enganosos. Fatores de confusão podem dar a aparência de uma relação positiva, quando, na verdade, ocorre o contrário (veja o paradoxo dos Simpsons e outros). Além disso, uma vez que os dados são agregados, pode ser impossível recuperar os fatores que contribuem para controlá-los adequadamente. (A melhor prática é utilizar estudos controlados aleatórios, quer dizer, testes A/B. Sem esta prática, é possível que a IA nem sequer possa controlar adequadamente os fatores de confusão. Em suma, ao usar seres humanos como processadores de dados centrais, ainda sacrificamos a correção para evitar o alto custo do processamento de dados não humano.

2. Os dados não são suficientes para isolarmos o viés cognitivo.

Os resumos de dados são corrigidos por seres humanos de maneira propensa a vieses cognitivos. Orientamos a elaboração do resumo de uma forma que seja intuitiva e pedimos que os dados sejam agregados em segmentos que nos parecem arquétipos representativos. Apesar disso, tendemos a classificar sujeitos grosseiramente, em estereótipos amplos que não explicam suficientemente suas diferenças. Por exemplo, podemos analisar os dados por atributos como a geografia, inclusive quando não há diferença perceptível de comportamento entre as regiões.

Também é possível pensar no resumo como uma “granulação grossa” dos dados; trata-se de uma aproximação geral dos dados. Por exemplo, um atributo como geografia precisa ser mantido num nível regional em relativamente poucos valores (isto é, por exemplo, leste X oeste). O que importa mesmo pode ser mais refinado que isso – dados em nível de cidade, código postal, inclusive rua. Isso é mais difícil de agregar e resumir para ser processado pelo cérebro humano. Além disso, preferimos as relações simples entre os elementos; tendemos a pensar que as relações são lineares porque é mais fácil processá-las. A relação entre preço e vendas, penetração de mercado e taxa de conversão, riscos de crédito e renda – assumimos que tudo é linear, inclusive quando os dados sugerem o contrário. Também gostamos de recorrer a explicações elaboradas para as tendências e variações dos dados, inclusive quando são explicadas mais adequadamente por variação natural ou aleatória.

E, tristemente, acomodamos nossos vieses enquanto processamos os dados.

Inclusão da IA no fluxo de trabalho

Precisamos evoluir mais e incluir a IA no fluxo de trabalho como processador principal dos dados. Para decisões de rotina que dependam somente dos dados estruturados, obtemos os melhores resultados quando delegamos as decisões à IA, que é menos propensa ao viés cognitivo dos seres humanos. (Há um risco muito real na utilização de dados enviesados, que podem levar a IA a encontrar relações ilusórias e tendenciosas. Devemos nos assegurar de entender como os dados são agregados, além de como são utilizados). A IA pode ser treinada para encontrar segmentos na população que melhor expliquem a variação em níveis de granulação fina, embora seja contraintuitivo para nossa percepção humana. A IA não tem dificuldades para processar milhares – ou milhões – de agrupamentos. Além disso, para a IA é mais fácil trabalhar com relações não lineares, sejam exponenciais, leis de potência, séries geométricas, distribuições binomiais e outras.

Este fluxo de trabalho aproveita melhor a informação contida nos dados, é mais coerente e objetivo em suas decisões e capaz de determinar melhor qual é o diretor de criação mais eficaz, qual é o nível ideal de estoque a estabelecer ou quais os investimentos financeiros a realizar.

Embora os seres humanos não participem deste fluxo de trabalho, é importante observar que somente automação não é o objetivo de um fluxo de trabalho guiado por IA. De fato, ele pode reduzir custos. Mas isso é apenas um benefício a mais. O valor da IA está em tomar decisões melhores que as decisões humanas tomadas sem sua ajuda. Isto cria um salto qualitativo de melhoria da eficiência e abre espaço para novas possibilidades.

Aproveitamento da IA e de processadores humanos no fluxo de trabalho

Remover os humanos dos fluxos de trabalho que implicam somente o processamento de dados estruturados não significa que os seres humanos se tornam obsoletos. Há muitas decisões empresariais que dependem de mais que somente dados estruturados. Visões de negócio, estratégias empresariais, valores institucionais e dinâmicas de mercado são exemplos de informações que estão disponíveis apenas em nossa mente e são transmitidas pela cultura e por outras formas de comunicação não digital. São informações inacessíveis à IA e extremamente relevantes para as decisões empresariais.

Por exemplo, pode ser que a IA determine objetivamente os níveis corretos de estoque para maximizar ganhos. Porém, em um ambiente competitivo, a empresa poderia optar por níveis mais altos de estoque para proporcionar ao cliente uma experiência melhor, mesmo sacrificando ganhos. Em outros casos, pode ser que a IA determine que, das opções disponíveis na empresa, investir mais recursos financeiros em marketing trará maior retorno sobre o investimento. Mas, a empresa poderá preferir moderar o crescimento para preservar as normas de qualidade. A informação adicional disponível para os humanos na forma de estratégia, valores e condições de mercado pode justificar um desvio da racionalidade objetiva da IA. Nestes casos, a IA pode ser utilizada para gerar possibilidades, dentre as quais os seres humanos poderiam escolher a melhor alternativa, considerando a informação adicional que tivessem. A ordem de execução destes fluxos de trabalho é específica para cada caso. Às vezes, a IA é o primeiro fluxo para reduzir a carga de trabalho das pessoas. Em outros casos, poderia existir uma interação entre a IA e o processamento humano.

A chave é que não haja interferência direta dos seres humanos com os dados, e sim com as possibilidades produzidas pelo processamento dos dados executado pela IA. Valores, estratégia e cultura são nossas formas de conciliar nossas decisões com a racionalidade objetiva. Isto produz melhores resultados quando é feito de forma explícita e totalmente informada. Ao aproveitar tanto os humanos como a IA, podemos tomar decisões melhores que ao usar somente uma das duas opções.

A próxima fase da evolução

Passar de “orientado por dados” a “orientado por IA” será a próxima fase de nossa evolução. Assimilar a IA em nossos fluxos de trabalho proporciona um melhor processamento de dados estruturados e permite que os seres humanos contribuam de forma complementar.

É improvável que essa evolução ocorra dentro de uma só organização, do mesmo modo que a seleção natural não ocorre nos indivíduos. Na verdade, trata-se de um processo de seleção que atua numa população. A taxa de sobrevivência será mais alta entre as organizações mais eficientes. Considerando as dificuldades que as empresas maduras têm de se adaptarem às mudanças no ambiente, intuo que veremos o surgimento de novas empresas que assimilarão tanto a IA como as contribuições humanas desde o início, incorporando-as nativamente em seus fluxos de trabalho. 

Eric Colson, autor deste conteúdo é Diretor de Algoritmos de Stitch Fix. Antes disso, foi Vice-presidente de Ciências e Engenharia da Netflix.

Babel-Team, Strategic Solutions for Digital Innovation, selecionou, traduziu, comentou e publicou o conteúdo original de Colson, Eric.


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